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Por que o Brasil escolhe permanecer como líder mundial em irregularidades fundiárias

imagem: acervo Incra

Na Câmara dos Deputados tramitam dois projetos de lei que reacendem o debate sobre a regularização fundiária e o futuro da política de ordenamento territorial no país: o PL 1294/2025 e o PL 1664/2025. Ambos tratam da prorrogação do prazo para o georreferenciamento de imóveis rurais, requisito legal criado há mais de duas décadas para dar segurança jurídica ao campo.

A medida, que chega sob forte pressão de setores rurais, reforça um dilema recorrente: ao invés de consolidar a modernização cadastral, o Brasil parece optar por manter sua posição histórica de liderança mundial em irregularidades fundiárias.

Nas redes sociais e veículos de comunicação brasileiros, o tema ganha repercussão dividida: entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) celebram as prorrogações como essenciais para segurança jurídica e alívio a produtores com dificuldades técnicas e financeiras, especialmente em pequenas propriedades, enquanto profissionais de agrimensura criticam como retrocesso que abre brechas para grilagem e conflitos fundiários. 

Portais como MundoGEO e Agência FPA destacam o debate sobre suspensão ou adiamento da obrigatoriedade, apontando riscos de insegurança territorial e perda de controle sobre o mapa fundiário nacional.

O que dizem os projetos

• O PL 1294/2025, de autoria da deputada Daniela Reinehr (PL-SC), amplia em três anos o prazo legal para todos os imóveis rurais se adequarem ao georreferenciamento. A justificativa é que ainda há gargalos técnicos e financeiros, como escassez de profissionais habilitados em regiões remotas e custos elevados para pequenos produtores.

• Já o PL 1664/2025, da deputada Caroline de Toni (PL-SC), inicialmente, criava uma regra diferenciada: para imóveis rurais registrados a partir de 2003 e com menos de 25 hectares, o georreferenciamento só seria obrigatório a partir de 2030, entretanto, o texto substitutivo aprovado em 02/10/2025, adiou o prazo para todos os imóveis rurais, independentemente do seu tamanho.

Ou seja, mesmo após quase três décadas da lei original, estabelece o retrocesso de voltar como era à época em que a lei foi criada, motivada pelo resultado da CPI da Grilagem de Terras na Amazônia. Veículos como Minuto MT e Grupo A Hora repercutem a aprovação como alívio para entraves operacionais, mas alertam para o impacto em processos de herança e vendas.

Avanços travados na Câmara

Apesar da aprovação inicial, ambos os projetos ainda precisam passar por comissões e pelo Senado antes de eventual sanção presidencial. Para críticos, a sucessão de adiamentos comprova a dificuldade política em enfrentar a raiz do problema fundiário brasileiro: a inexistência de um cadastro nacional confiável e plenamente integrado. Nas redes, perfis como @MatInvest1 destacam como o georreferenciamento trava inventários e vendas em estados com baixa taxa de certificação.

Sem prazos rígidos e fiscalização efetiva, especialistas alertam que a insegurança jurídica persiste, alimentando conflitos agrários, fraudes em registros e entraves ao desenvolvimento de políticas públicas.

Segundo Quêidimar Guzzo, presidente da comissão nacional de certificação do sistema SIGEF/INCRA, “atualmente o sistema conta com mais de 22 mil profissionais cadastrados em todo o Brasil”, ela ainda complementa, “dizer que o sistema SIGEF ou os profissionais são o problema da certificação no Brasil é um engano”. 

O sistema de certificação está ativo e operando há mais de 20 anos, afirma Guzzo, “o georreferenciamento é o maior filtro de controle de grilagens de terra que jamais existiu, por isso prorrogar o prazo é abrir uma última chance de crimes que nós do INCRA estamos controlando a décadas”.

Reações divididas

O setor agropecuário, sobretudo associações de produtores rurais, celebrou as propostas como um “respiro necessário” diante da burocracia cartorial e da falta de infraestrutura técnica para cumprir as exigências. Já profissionais de topografia, agrimensura e registradores reagiram negativamente, defendendo que as prorrogações representam um retrocesso. Portais especializados como MundoGEO enfatizam que o adiamento desmobiliza estruturas técnicas e aumenta riscos de irregularidades.

Segundo eles, a cada adiamento o Brasil perde a chance de corrigir distorções históricas, perpetuando o título de país onde a terra muitas vezes vale mais pelo papel que pelo território.

O Professor Airton Costa Lima afirma “as escolas estão formando profissionais a mais de 20 anos, estes são especialistas na promoção dessa política pública, somente no sistema CFT são mais de 7 mil especialistas em georreferenciamento”. Airton que também é conselheiro federal dos técnicos industriais declara “o problema com certeza não é técnico, ou falta de profissionais, muito menos o custo desses honorários”.

Parlamentares afirmam que os altos custos inviabilizam os processos. No entanto, o que se verifica na prática é diametralmente oposto a esse entendimento equivocado. Nesse sentido, o professor Artur Brandão da Universidade Federal da Bahia, que participou do processo de criação da Lei 10267/2001 e colaborou com a construção da primeira norma técnica para georreferenciamento e certificação de imóveis rurais do INCRA, juntamente com outros especialistas e profissionais, esclarece: “muita coisa mudou nas últimas décadas nos processos e em novas tecnologias na área do georreferenciamento, proporcionando maior agilidade em campo com garantia de qualidade dos resultados, reduzindo em muito os custos operacionais e otimizando o trabalho do profissional da agrimensura”. 

Por outro lado, continua o Prof. Brandão, “cerca de 60% dos atuais cursos de formação de profissionais para o georreferenciamento (engenheiros agrimensores e cartógrafos e técnicos em agrimensura) foram criados nos últimos 20 anos, ampliando assim consideravelmente a oferta de profissionais para a área”.

Evandro Zanini que atua na agrimensura desde o início da certificação de imóveis rurais afirma que, “realmente os trabalhos de campo já foram bem custosos, levávamos 40 minutos para fixar precisão de coordenadas em 2004, com equipamentos ao custo de 100 mil dólares, hoje demoramos 5 minutos em condições muito adversas, na maioria das vezes são alguns segundos, com equipamentos ao custo de 10 mil dólares, mesmo assim ao longo de 20 anos produzimos mais de 1,5 milhões de certificações e os cartórios registraram apenas 600 mil, evidente que existe um problema, mas esse não é da fase 1, técnica, ou da fase 2, administrativa”.

André Pavani que atua no seguimento de venda e equipamentos concorda com Zanini e amplia, “o Brasil não produz esses equipamentos, todos são importados, mas hoje está acessível no valor e no parcelamento de 24 até 60 vezes, a tecnologia e suporte da nossa empresa também ajuda na redução dos custos operacionais que nunca foram tão acessíveis”.

O paradoxo brasileiro

Mais de vinte anos após a criação da Lei 10.267/2001, que introduziu o georreferenciamento como ferramenta de segurança jurídica, o Brasil continua a adiar o cumprimento integral da norma. Enquanto países vizinhos avançam em cadastros modernos, integrados e digitais, o Congresso Nacional mantém a política de exceções e prorrogações. 

O resultado é claro: a terra brasileira segue marcada por disputas, sobreposições de registros e insegurança para investidores, agricultores familiares e comunidades tradicionais. Debates em veículos como Agência FPA e posts em redes sociais reforçam essa visão, com apoio rural por "prazos justos" contrastando com alertas de ambientalistas e técnicos sobre enfraquecimento do controle territorial.

A escolha de adiar novamente os prazos reforça a percepção de que o Brasil, em vez de corrigir sua fragilidade fundiária, prefere sustentar o posto de campeão mundial em irregularidades no campo.
Emerson Tormann

Técnico Industrial em Elétrica e Eletrônica, especializado em Tecnologia da Informação e Comunicação. Atualmente, é Editor-Chefe na Atualidade Política Comunicação e Marketing Digital Ltda. Possui ampla experiência como jornalista e diagramador, com registro profissional DRT 10580/DF. https://etormann.tk | https://atualidadepolitica.com.br

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