Pode-se dizer que a vida em Nuevo Saposoa gira em torno do ambiente natural. Árvores e arbustos fornecem alimento e remédio; a terra é fértil, possibilitando o cultivo de mandioca e milho, e o rio oferece uma variedade impressionante de peixes tropicais. Mas há riscos. Em março de 2015 o rio transbordou de suas margens depois de chuvas fortes e prolongadas nos Andes, inundando tudo em seu caminho. As rústicas usinas elétricas locais foram danificadas, os cabos foram destruídos, e Nuevo Saposoa perdeu acesso à pouca eletricidade que tinha. O povoado no meio da Amazônia ficou no escuro.
Pode parecer simples para alguém de fora, mas para quem vive num vilarejo remoto, a falta de eletricidade era um problema sério que mudou seu cotidiano. O governo peruano teve dificuldade em propor uma solução eficaz no curto prazo. Havia necessidade de alternativas.
Os adultos sabiam adaptar-se à situação. O trabalho no campo podia ser feito durante o dia, e, além disso, muitos deles já tinham vivido sem luz elétrica (na realidade, apenas 35% da população da região de Ucayali tem acesso à eletricidade). O maior problema era para as crianças que frequentam a escola e precisam fazer sua lição de casa e outras tarefas à noite. "Elas podem estudar, sim, mas para isso são obrigadas a usar um queimador [com querosene e pavio de fibra de tecido], que afeta a vista e o trato respiratório, por causa da fumaça", explica Jacquez, enfermeiro que trabalha na região.
A natureza causou o problema, então também deveria ser a natureza a resolvê-lo. Não é o que pensaram os moradores de Nuevo Saposoa, mas professores e estudantes da Universidade de Engenharia e Tecnologia (Utec). A ideia foi aventada inicialmente nas salas de aula desta universidade da capital peruana, Lima, mas precisava ser testada na zona rural. Depois de visitar Nuevo Saposoa, colher amostras da terra e água da região e realizar alguns testes, o projeto foi posto em prática com um nome curto e efetivo: "plantalámparas" (lâmpadas de plantas). ENERGIA DE PLANTAS
O professor Elmer Ramírez, da Utec, explicou que as "plantalámparas" são lâmpadas eficientes (de 300 lumens), que poupam energia, gerando luz a partir da fotossíntese das plantas. "As plantas obtêm CO2 (dióxido de carbono) do ambiente e água e minerais do solo. Usando esses componentes, produzem nutrientes para crescer, mas produzem esses nutrientes em excesso. A planta expele esses nutrientes excedentes no solo, onde eles interagem com vários microorganismos em um processo eletroquímico complexo, gerando elétrons", explica Ramírez.
Ele prossegue: "Capturamos esses elétrons com a ajuda de eletrodos e os armazenamos numa bateria. Uma vez carregada, essa bateria pode alimentar uma lâmpada eficiente e econômica. Uma 'plantalámpara' é capaz de ficar acesa por duas horas e depois pode ser recarregada, usando o mesmo processo descrito acima. É um produto ecológico e inesgotável."
Depois do sucesso do projeto no laboratório, foi preciso testá-lo em campo. Um grupo de professores e alunos da Utec viajou até Ucayali, de onde seguiu de barco até Nuevo Saposoa. Quando reuniram os habitantes (como de costume, quem mostrou mais entusiasmo foram as crianças) e lhes explicaram o processo pelo qual uma planta, como os milhares que cercam o vilarejo, é capaz de gerar luz elétrica, as reações foram de alguma desconfiança. Quando eles fizeram os testes e a primeira lâmpada foi ligada, ouviram-se algumas risadas nervosas, como se fosse um truque de magia e não algo científico.
"Esse é um tipo de energia renovável que tem muito a dar, já que há plantas em todo o mundo", explica Marcello Gianino, um estudante da universidade. Sua colega de classe Lauren Wong explicou sua satisfação: "O mais bonito é ver o impacto positivo de nosso trabalho e como ele ajuda outras pessoas".
O impacto sobre o cotidiano dos moradores de Nuevo Saposoa já está começando a se fazer sentir. Muitas das crianças agora querem concluir a escola para poderem ir à universidade e estudar alguma coisa ligada à energia e ao meio ambiente. Quando isso acontecer, o ciclo terá se completado.
Fonte: EL COMERCIO
Tradução de CLARA ALLAIN