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A crise elétrica para além de São Pedro



Larissa Araújo Rodrigues é doutoranda e mestra em energia pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, trabalha na campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil

O Brasil encara grave crise no setor elétrico. As contas de luz não param de subir e o risco de racionamento ainda existe. Além dos brasileiros, quem sofre é São Pedro, culpado pela falta de água nos reservatórios das hidrelétricas. Mal sabem o santo e a população que muito do que ocasionou a crise foram decisões políticas tomadas nos idos de 2012. A parte fácil de entender é a relação da crise com a estiagem. Basta olhar como a eletricidade é gerada no Brasil: cerca de 70% vêm das hidrelétricas. Em 2014, em quase todo o país, os reservatórios chegaram a níveis extremamente baixos - mais que os registrados em 2001 quando o Brasil viveu o apagão.

Para evitar que o país ficasse no escuro, o governo optou por acionar mais usinas térmicas. O uso constante das usinas poluentes e mais caras elevou o custo da energia. Para ter uma ideia, o preço pode chegar a mais de R$ 1.000/MWh, quase sete vezes mais do que o preço das eólicas e quase cinco vezes mais do que as solares contratadas nos últimos leilões. Os custos aumentaram e foram pesar no bolso do consumidor. Para piorar, no começo de 2015, as bandeiras tarifárias entraram em operação. Elas indicam se a eletricidade está custando mais ou menos em função das condições de geração, sendo traduzida nas cores verde, amarela ou vermelha. Quando muitas termelétricas são utilizadas, a bandeira é vermelha, o que significa custos elevados, repassados para as contas de luz (aumento de quase 30%.)

Infelizmente, a crise não é passageira. Além de a bandeira não sair do vermelho há sete meses, a conta de luz sofreu mais reajustes para cobrir parte do endividamento das distribuidoras. Elas possuem hoje dívida de mais de R$ 30 bilhões, que continuará sendo repassada aos consumidores. Esse é o lado da crise um pouco mais difícil de ser entendido. É aqui que São Pedro deixa de ser protagonista e uma sequência de medidas irresponsáveis começa a ganhar a cena: em 2012 foi editada medida provisória - que virou lei - que renovava as concessões de usinas elétricas e estabelecia a divisão da eletricidade delas em cotas destinadas às distribuidoras a preço estabelecido em um terço do que vinha sendo praticado.

No início de 2013, a presidente Dilma veio com a "boa notícia" de um desconto médio de 20% na conta de luz. A má notícia, não anunciada, é que algumas usinas não aceitaram renovar as concessões pela baixa remuneração da energia. A consequência foi que as distribuidoras ficaram sem parte dos contratos para receber as cotas de energia e tiveram que recorrer ao mercado livre para comprar energia e honrar a entrega ao consumidor. O problema é que, no mercado livre, o preço flutua conforme as condições do sistema. Quando os reservatórios estão cheios, o preço cai; quando estão baixos, o preço sobe. Em um momento de crise hídrica, os custos foram elevadíssimos. Para se ter uma ideia, em 2011 os preços eram próximos a R$ 30/MWh e, em 2014, com o baixo nível dos reservatórios, o preço máximo atingiu quase 30 vezes esse valor.

A soma desses acontecimentos no setor elétrico traz como resultado dívida de dezenas de bilhões de reais. Na prática, a conta de luz, que teve desconto de 20% em 2013 depois do anúncio de Dilma, hoje, está cerca de 60% mais cara para o consumidor residencial. Em algumas regiões, o aumento foi ainda maior. A situação atual demonstra a fragilidade de uma matriz elétrica alicerçada no binômio hidro-térmico, além da falta de planejamento para a utilização dos recursos naturais do Brasil, que poderia diversificar a matriz e investir no abundante potencial de sol e de vento. O argumento de que essas fontes são caras é mito. A geração eólica é a segunda mais barata do país. A solar apresentou redução de preço e está no mesmo patamar de outras fontes.

Hoje, cerca de 600 brasileiros optaram por instalar sistemas próprios em suas casas e estabelecimentos, sendo beneficiados pela redução na conta. Há um potencial imenso para a geração distribuída, que, além de beneficiar o consumidor, traz eficiência a todo o sistema. Potencial e necessidade existem. O que nos falta são incentivos para seguir na direção das novas renováveis, pois, se depender do sol e do vento, o Brasil não fica sem energia.

Fonte: Correio Braziliense
Emerson Tormann

Técnico Industrial em Elétrica e Eletrônica com especialização em Tecnologia da Informação e Comunicação. Editor chefe na Atualidade Política Comunicação e Marketing Digital Ltda. Jornalista e Diagramador - DRT 10580/DF. Sites: https://etormann.tk e https://atualidadepolitica.com.br

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