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Realismo tarifário mostra efeito colateral na distribuição

Momento pelo qual o país passa é encarado como ideal para rever a regulação ao ponto de abrir o mercado como foi feito no pós racionamento


A temporada de balanços referente a 2015 está em pleno andamento e a maioria das distribuidoras ainda não apresentou os números do ano passado comparados a 2014. Contudo, já se vê uma confirmação da tendência que já era esperada após a adoção do realismo tarifário no ano passado, o aumento da inadimplência. O indicador de contas em aberto para o período de 30 dias após o vencimento aumentou na média de 12,82% para 15% e de 90 dias passou de 3,71% para 4,16%. O impacto estimado é de uma perda de cerca de R$ 10 bilhões para as distribuidoras, sem contar que nessa situação há o risco de aumento de furtos de energia como consequência natural do custo mais elevado da energia.

Esses dados são da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica. Ao se considerar o efeito econômico dessa elevação no ano passado é como se a inadimplência em 2015 aumentasse a 23% no período de 30 dias e a 6% na referência de três meses em decorrência dos aumentos do ano passado. A entidade aponta que, apesar de o aumento nominal da taxa de 90 dias ser de apenas 0,45 ponto porcentual, o efeito econômico é da ordem de 70% em decorrência das tarifas praticadas em 2015 ante as de 2014. A entidade ainda não dispõe dos dados acerca das perdas não técnicas.

O não pagamento das contas por parte de consumidores, basicamente na baixa tensão, é atribuído unanimemente ao reajuste na conta de luz. No ano passado a tarifa subiu em média 51% e de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que é o responsável pelo cálculo do índice de inflação oficial, o IPCA, ao lado de combustíveis, a energia elétrica teve o maior peso individual. Em São Paulo e Curitiba os aumentos chegaram a 70,97% e a 69,22%, respectivamente, segundo apurou o instituto.

Efeito econômico elevado da inadimplência
Nelson Leite, da Abradee

“Há vários fatores que explicam esse aumento da inadimplência, o realismo tarifário, a retração da economia e a perda de renda das pessoas. Tudo leva a essa situação de aperto das pessoas e ao atraso”, afirmou o presidente executivo da Abradee, Nelson Fonseca Leite. A entidade utiliza duas datas para indicar a inadimplência do setor, 30 e 90 dias após o vencimento da conta. Por região geográfica do país houve um aumento em quase todo o Brasil, exceção feita ao Centro-Oeste no período de um mês e na região Norte para o período de três meses após o vencimento, conforme mostram os gráficos abaixo. Os indicadores históricos da Abradee são de inadimplência média abaixo de 3%. Já as perdas globais de energia estão na faixa de 17%, sendo 11% de perdas técnicas e 6% classificadas como não técnicas.

O atual cenário do setor de distribuição é avaliado como grave e não se limita apenas a ações das concessionárias, passa também pelo campo regulatório. Na avaliação de especialistas, as medidas de combate a perdas e inadimplência deveriam estar associadas a alterações na legislação que pudessem corrigir as distorções criadas pela combinação entre crise econômica, desemprego, queda de demanda e sobrecontratação de distribuidoras, que tende a se acentuar.

Segundo o coordenador do Gesel-UFRJ, Nivalde de Castro, o diagnóstico deste momento leva a uma necessidade de que os agentes procurem soluções inovadoras e criativas no sentido de superar essa conjuntura adversa pela qual o setor elétrico passa. Essa busca pela saída passaria obrigatoriamente pela atuação do governo, até porque, lembrou o acadêmico, o segmento de distribuição é onde se inicia a cadeia de valor desse mercado e é altamente regulado.

“Temos uma conjugação que reúne o elevado aumento das tarifas em função da crise hídrica e um momento de redução da demanda por conta da economia em baixa. Essa é a primeira vez que vemos estes fatores todos reunidos”, avaliou. “De um lado precisamos de ações de combate aos furtos e inadimplência, mas ao nível regulatório é necessário que se adote mecanismos urgentes, fruto de uma negociação entre os agentes e o governo”, comentou o professor, que classificou ainda o PLD como um destruidor de valor do setor.

Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, que atua como conselheiro em diversas empresas do setor, corrobora essa avaliação e diz que o momento é o ideal para se implantar alterações no mercado. Ele diz que as ações principais estão no âmbito regulatório já que foi justamente a alteração de regras que levou o setor a esta situação de viés de alta nos preços do ACR para os próximos anos. Em sua análise, o governo deveria promover uma forma de reduzir os valores da tarifa ao patamar que tínhamos antes da MP 579.

E sua sugestão remete ao momento pré-novo modelo do setor. Ele conta que liberar uma parte dos consumidores ao ambiente livre garantiria essa redução de preços e ao mesmo tempo reduziria o problema das sobras das distribuidoras. “Em resumo, o problema é tão grave que deveríamos juntar todo mundo como foi feito em 2003 e sair desse encontro com pelo menos uma proposta de solução”, disse Santana. “Essa é uma ótima situação para liberar os consumidores, se parece com 2003 no pós racionamento, onde as sobras na distribuição eram tão grandes que foi realizado um leilão, o que poderia ser feito novamente”, sugeriu.

Agentes e governo precisam de solução criativa
Nivalde de Castro, do Gesel/UFRJ

Segundo Edvaldo Santana, do lado das distribuidoras, as medidas de combate feito no dia a dia são paliativas diante de um problema mais grave que é o nível das tarifas. Essa opinião decorre ainda do fato que a economia está em queda e o desemprego aumenta. “Essas medidas são paliativas e resolvem transitoriamente o problema. A questão é que a tarifa do mercado regulado continuará aumentando. Essas ações são necessárias para inibir a inadimplência que no futuro tende a se transformar em furto”, indicou.

Santana ainda criticou as distribuidoras ao afirmar que falta criatividade às empresas para atrair o consumidor ao que chamou de ‘lado do bem’. E afirmou que as ações devem ser mais ousadas nesse sentido. Um dos exemplos citados para que houvesse essa atratividade é o de que as distribuidoras poderiam, por exemplo, instalar sistemas de geração distribuída nesses consumidores onde há problemas como uma forma de incentivar a redução do consumo da energia da rede de distribuição ao aproveitar a evolução das regras da resolução Aneel 482/2012 que entraram em vigor há pouco mais de 10 dias. Ele concorda que essa medida é onerosa para a concessionária, mas argumentou que é uma solução definitiva e de longo prazo. “Temos que considerar que as perdas de energia por furto correspondem por cerca de 15% da carga do país, significa que temos muito mais que uma Belo Monte furtado ou perdido nas redes”, comparou .

Todos os dados de 2015 no segmento de distribuição ainda não foram apresentados, essa temporada de balanços seguirá até o final de março. Contudo, é possível verificar em geral que houve o aumento dos aportes em combate a perdas e inadimplência. E ao final do ano já se contabiliza os resultados positivos dessas medidas. No caso da AES Eletropaulo, que atua na capital paulista e em outros 23 municípios, onde estão concentrados cerca de 7,2 milhões de unidades consumidoras essas iniciativas agregaram ao mercado da empresa 594,2 GWh e uma receita adicional de R$ 230,2 milhões.

Momento ideal para repensar o modelo do setor
Edvaldo Santana, consultor

Do outro lado, o volume de provisões para devedores duvidosos aumentou em volume financeiro. Em 2014 era de R$ 80,6 milhões e fechou o ano passado em R$ 197 milhões, equivalente a 0,87% da receita global da empresa. Essa linha do balanço contempla aquela inadimplência acima de 90 dias e que corre sério risco de não ser paga. Apesar desse aumento no volume financeiro, o número de unidades consumidoras que estão inadimplentes permaneceu estável na casa de 220 mil clientes. Esse fator corrobora a estimativa da Abradee que aponta para um aumento do impacto financeiro sobre as empresas em decorrência do maior valor da tarifa de 2015.

“Esses dados nos levam à conclusão de que o débito dos devedores ficou mais elevado, porém, com as ações que adotamos conseguimos manter o número de clientes em débito estável mesmo com o desemprego em alta e o reajuste significativo, além da inflação elevada”, comemorou José Carlos Reis, gerente de cobrança da AES Eletropaulo.

Além dos usuais comunicados, a empresa vem adotando entre as medidas a realização de feirões de negociações, em eventos próprios ou em parceria com outras instituições. Somente no ano passado ocorreram 17 dessas oportunidades. Outro programa da empresa é o que oferece descontos na conta ao consumidor que levar produtos recicláveis, bem como orientações para utilizar a energia com mais eficiência. Segundo as contas de Reis nos feirões próprios foram realizados 4,5 mil atendimentos e nos dois eventos com parceiros mais 2,7 mil consumidores apareceram para regularizar sua situação.

Segundo o gerente de redução de perdas não-técnicas da concessionária, Wagner Pimenta, a companhia realizou em 2015 um volume de 67 mil regularizações de ligações ante as 59 mil de 2014. E isso, destacou ele, diante do fato que houve retração da carga. Outro indicador é que nesse mesmo período o número de inspeções em unidades consumidoras recuou de 403 mil em 2014 para 331 mil no ano anterior em decorrência do alocamento de equipes para atendimentos de emergência no ano passado. Dessas, 15% tinham algum tipo de irregularidade, não necessariamente foram encontrados somente casos de furtos, pois envolve também fadiga de material ou problemas por desgaste de material. “Cerca de 35% das irregularidades referem-se ao equipamento e um terço é decorrente de atos de responsabilidade do cliente. Em 2016 a nossa meta é de retomar a casa de 400 mil inspeções”, comentou.

No caso da EDP, o diretor presidente da holding que detém a concessão da Bandeirante e da Escelsa, Miguel Setas disse que no caso da Escelsa há a expectativa da empresa em ter as metas regulatórias de perdas revistas pela Aneel. Ele explicou que essa deverá ser a tendência na próxima revisão tarifária da companhia pois, segundo suas palavras, a complexidade da área de concessão no Espírito Santo estava subestimada, pois utilizava dados do censo de 2002. A partir da próxima revisão, acrescentou serão os dados do censo de 2010. O indicador de perdas regulatórias atual é 7,87% na Escelsa.

“Ainda não há um valor exato, mas o novo indicador deverá se situar em um patamar acima de 10%, mas ainda está em avaliação na Aneel”, afirmou Setas. “Com essa mudança o plano é de reduzir as perdas entre 2016 a 2019”, indicou. Entre as medidas está contemplado um plano específico de contenção dessas perdas e da inadimplência. Ao final de 2015 a provisão que a empresa fez para devedores duvidosos ficou em 0,75% da receita bruta da companhia ante os 0,59% do ano anterior. Inclusive, destacou o executivo português, combater esses dois problemas estão no centro das medidas para melhorar os resultados da companhia.

Metas regulatórias devem ser revistas

Miguel Setas, da EDP

Ainda na noite desta quinta-feira, 10 de março, a holding que controla duas das mais complicadas distribuidoras do país a Equatorial divulgou as perdas não-técnicas do ano de 2015. No caso da concessionária Cemar, o indicador aumentou 0,4% na comparação com o fechamento de 2014, passando a 12,4%, diante de uma meta regulatória de 15,4%. Já o caso da Celpa ainda está acima do limite estabelecido pela Aneel, mas com tendência descendente, já que ao final de 2014 o indicador era de 43,7% e em dezembro ficou em 38,6% ante a meta de 34%.

A Equatorial atribui os resultados de queda em ambas as concessionárias às ações de combate às perdas, tanto que na Cemar esse indicador já foi de 30,4% em 2007 e na empresa paraense o pico foi registrado no segundo trimestre de 2013 com 62,8% do total da energia requerida na baixa tensão. A holding destaca que a redução das perdas é o resultado das ações de combate que foram intensificadas apesar da maior resistência a essas medidas em decorrência do momento econômico pelo qual o país passa, bem como à complexidade da área de concessão.

Entre as companhias que ainda não apresentaram os números fechados do ano está a Cemig. A companhia mineira destacou que ao se analisar a evolução da inadimplência desde janeiro de 2015, quando passou a vigorar o mecanismo de bandeiras tarifárias e posteriormente o RTE e o reajuste tarifário ordinário, foi registrado um incremento marginal na inadimplência. Contudo, relata a companhia, a partir de junho o indicador ficou estabilizado em um patamar médio de 3,43%. A taxa média de arrecadação nos nove meses de 2015 se manteve em 95% ante 96% no ano anterior.


Fonte: Mauricio Godoi, da Agência CanalEnergia, de São Paulo, Reportagem Especial
11/03/2016
Emerson Tormann

Técnico Industrial em Elétrica e Eletrônica com especialização em Tecnologia da Informação e Comunicação. Editor chefe na Atualidade Política Comunicação e Marketing Digital Ltda. Jornalista e Diagramador - DRT 10580/DF. Sites: https://etormann.tk e https://atualidadepolitica.com.br

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